quarta-feira, 26 de abril de 2017

Oásis

Por Martha Medeiros

Os desertos me atraem. O silêncio absoluto em meio a um universo infinito. Nenhuma ansiedade, apenas o contato profundo consigo mesmo.

Vivo no oposto de um deserto, numa urbe habitada por muita gente, sonorizada por buzinas e freadas. Uma cidade que, como outras, induz a um comportamento automático e racional: trabalhar para ganhar meu sustento, trazer comida pra casa, combater meu sedentarismo com atividades físicas, socializar com meus pares, me informar sobre o que acontece no mundo, compartilhar minha opinião nas redes sociais, cuidar da minha saúde e da minha aparência. Nada disso é um castigo, mas toma todo o meu dia e, quando dou por mim, é hora de ir para a cama e dormir.

Algumas pessoas meditam, outras rezam, outras ainda se refugiam num bom livro — as escapatórias necessárias, uma volta para dentro de si, aquele momento chamado "seu", fundamental.

Tenho os meus, e hoje em dia eles têm acontecido com mais regularidade dentro de uma sala de cinema. Nem Netflix, nem Now, nem DVD, nada se compara ao deslocamento físico e à introspecção buscada: ainda não abro mão do ritual do ingresso, assento, luzes apagadas, foco. É onde todos os meus instintos afloram (inclusive os assassinos: se você também não suporta quem faz barulho com sacos de balas e pipocas, testemunhe a meu favor caso eu vá a julgamento).

Nesta semana, assisti a Paterson, de um dos meus cineastas prediletos, Jim Jarmusch. Nada mais precário que um resumo de filme em três linhas, mas é sobre um motorista de ônibus que todos os dias, após o trabalho, leva seu cachorro pra passear pelo mesmo trajeto, toma uma cerveja no mesmo bar e volta para os braços da sua linda e mesma esposa, dormindo o sono dos justos — entrementes, escreve poemas num caderninho.

Só isso. Tudo isso.

Por tudo, entenda-se: todo dia repetitivo é também um novo dia. É preciso delicadeza na prática de qualquer convivência. Há poesia no cotidiano. Carinho também é amor. Ninguém é igual aos outros e ninguém é muito diferente dos outros. O que nos comove está sempre no subtexto.

Paterson é um oásis neste deserto às avessas, em que vivemos em meio a muito barulho sem sentimento, muito movimento sem pausa, muita relação sem entrega.

Um momento seu para extrair de dentro da alma. Esta mesma alma que me escapa agora pela ponta dos dedos.


*PS: Assista ao trailler de Paterson.






quinta-feira, 23 de março de 2017

Uma fábula do futebol brasileiro

Jornalista, escritor, psicanalista, doutor em Literatura, com pós-doutorado na Sorbonne II, comentarista da GloboNews, autor de 15 livros, Felipe Pena publicou texto no jornal Extra que passeia pela crítica, a ironia e a fábula. Com talento, ele fez uma dura crítica a um episódio da vida moderna brasileira.

O texto é este:

Felipe Pena
O juiz que sequestrou um jornalista

Felipe Pena

“Tenho Pena dele” é o nome da página no facebook que minha mulher fez pra mim.

No começo, não achei a ideia boa. Argumentei que não ficaria bem perante a minha comunidade, mas acabei cedendo às pressões do amor midiático da Karlinha, esposa amada e zelosa.

Como sabem, sou juiz da Liga de Futebol de Várzea do meu bairro. Quando me visto de preto, todos me respeitam a abaixam a cabeça. Apito com força e conhecimento. Sou formado pela Soccer Judge Association, em Harvard, capital intelectual do esporte.

No campo, minhas decisões são rápidas. Não hesito em distribuir cartões vermelhos. Já mandei muita gente pro chuveiro mais cedo. Em alguns casos, deixo o jogador trancado no vestiário por meses até que ele entregue o técnico que o instruiu a entrar de carrinho no adversário. Aí expulso o técnico, o massagista e até o porteiro do clube. Sou o justiceiro da liga.

Os torcedores me amam. Quer dizer, a quase totalidade me ama. Os de amarelo amam um pouco mais. Tiram até selfies comigo quando vou a restaurantes, shows e homenagens. Mas, no ano passado, tivemos um pequeno problema de comunicação e minha dileta consorte pediu vênia para fazer a tal página no livro dos rostos.

“Será um desagravo a você” – dizia, com uma admiração karnal, ultrapassando a metafísica e querendo me defender de um episódio controverso.

Ela se referia ao fato de eu ter divulgado gravações de conversas com os jogadores durante uma partida. Na época, vazei tudo para a imprensa, mesmo sabendo que era ilegal. O importante era garantir a transparência do jogo através do grampo no meu apito. Mas o pessoal da federação não gostou e puxou a minha orelha. Quer saber? Obrei pra eles.

O problema mesmo é que ficaram irritadinhos porque chamei o capitão do time adversário pra uma conversa coercitiva com meus lindos e poderosos bandeirinhas. Nada demais, só uma vasculhada nas gavetas e duas ou três invasões de domicílio pra causar um AVC nos familiares.

E ainda fui obrigado a adiar a conversa porque um jornalista cretino vazou a operação. Quem ele pensa que é? Só quem vaza informação nesse jogo sou eu, meu querido. “Vai se arrepender” – pensei, e aguardei um ano pra dar o troco. Um ano de paciência, mas a hora do sujeito finalmente chegou.

Hoje, meti uma coercitiva nele. O meliante do microfone foi arrancado de casa pelos meus bandeirinhas musculosos (comandados por um hipster todo trabalhado no fascismo) e conduzido para a sede da federação dos juízes. E ainda levei computadores, celular, tablet e aquela parafernália eletrônica do blog. Se ele conseguir sair do cativeiro, vai ficar um bom tempo sem trabalhar.

Os colegas do cara nem reclamaram. São todos meus amigos e vivem das informações que vazo pra eles. Se não fosse por mim, não teriam notícias. Acha que alguém é louco de me peitar nesse bairro?

O futebol é meu esporte.

Sou o dono da bola e faço as regras aqui na várzea.

Os poucos que não se enquadram enfrentam a fúria de Karla, minha esposa, minha protetora e minha blogueira.

Entrem na página que ela fez pra mim no facebook.

Hoje, deixei um vídeo pra vocês. Amanhã, mostrarei as algemas do cativeiro e as fotos do sequestrado para aumentar o número de views.

Eu sei, eu sei: quando um juiz se preocupa com a popularidade, não faz justiça, faz política.

Mas quem se importa?

Isso é apenas futebol.

De bairro.

E de várzea.

Tenho pena de mim.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Mas Afinal o Que Querem as Mulheres? (artigo co-criado por várias delas!)


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Caroline Caracas
A velha indagação feita por Freud, pai da psicanálise, já virou livro, série de TV e continua dando muito pano pra manga. Afinal, nossos desejos evoluem junto com o mundo e não abrimos mão do nosso “querer apaixonado”. Mudam-se os tempos, evoluem os desejos, mas permanece a imensa determinação de alcançá-los passada de geração em geração.

Para realizar esse artigo, enviei a pergunta em grupos de whats app e nas minhas redes sociais: Mas Afinal, o que Querem as Mulheres?

O engajamento foi instantâneo. Elas não perdem a oportunidade de expressar pro mundo seus pensamentos, pleitos, emoções e contribuições. Sem as minhas colegas de gênero esse artigo não seria tão real! De antemão, meu muito obrigado pela participação de TODAS!

Meu papel hoje aqui é apenas reunir em palavras suas expressões e desejar que o seu Dia da Mulher seja um dia especial, apesar de ser um dia comum de luta e glória na vida de tantas mulheres.
Vamos aos resultados da enquete:

1. Respeito
Queremos respeito, acima de tudo. Nada adianta a fala de igualdade de direitos, se nós mulheres não somos respeitadas. Respeitadas dentro do lar, quando da arte de ser mãe, esposa e companheira. Respeitadas, quando na Empresa temos o papel de protagonizar a gestão de pessoas, finanças e tantas outras operações.
Não queremos chocolate!
Não queremos flores!
Queremos RESPEITO.
E, acima de tudo, sermos nós protagonistas do respeito para com o outro. Seja Homem ou Mulher.
Respeito sem distinção de cor, sexo, raça, gênero e/ou escolha sexual. É preciso Respeitar! Patricia Marel
Respeito, cumplicidade e autonomia - Mônica Martins

2. Igualdade
Igualdade e respeito, o resto a gente conquista - Simone do Valle
Seu espaço de direito e autenticamente feminino, sem ter que se moldar aos aspectos masculinos para se valerem. Thais Leal
Acho que chega dessa historinha de mulher ser taxada como a princesa presa no castelo a espera do príncipe encantado.. somos a dona do castelo, nada de beijo no sapo que vai virar o príncipe, já foi!! O sapo foi pro Brejo hahaha! Brincadeiras literárias a parte... somos mulheres com instinto de vencedoras, guerreiras, gostamos de gentileza, admiração e respeito! A todas nós guerreiras e belas Parabéns mulheres Ismênia Raposo

3. Ser amada (é claro!!)
Ser feliz, me sentir amada, reconhecida, desejada, respeitada, livre, ter momentos de plena calmaria, conseguir administrar meus sentimentos de forma eficiente para conseguir alcançar meus objetivos sem ter crises em que até esqueço quais são rs. Paola Buoro

4. Liberdade! Sabedoria! Tempo! Paz
Citado por muitas delas de forma direta e curta! (Diana Macedo, Jac Lopes, Maria Lavareda, Priscila Macieira, Janaina Michiles etc)

5. Ser feliz!
O ser feliz é o resumo de tudo, mas veio seguido com alguns predicados:
Ser feliz e ser magra! rs (tá no seu direito!)
Ser feliz e menos complicada (concordo!)
Ser feliz e Basta! (de bom tamanho!)

6. Sucesso Profissional
Eu quero reconhecimento profissional! Gláucia Hamond
Conciliar carreira e maternidade - Andréia Gonçalves

7. Vida Simples
Disse Manu Peixoto: Vida simples, tempo livre, paz interior, fazer a diferença na vida das pessoas, ajudar o mundo a ser um lugar melhor.
E eu assino embaixo! Acho que às vezes não sabemos que queremos isso, mas quando ganhamos essa consciência a vida se torna muito mais leve e descomplicada.

8. Contribuir para um mundo melhor - disse Cristina Guimarães
Esse é um desejo genuíno de todas nós, tenho certeza! Ainda que muitas se adormeçam pela correria do dia a dia e se sintam um pouco egoístas. Basta um simples chamado para que elas se enfileirem prontamente como um exército de benfeitoras, prontas para ajudar o próximo.

9. Relacionamentos saudáveis:
Um relacionamento assentado em um banquinho de 3 pés. Um pé de bom humor/leveza. Um pé de tesão. Um pé de admiração por si mesma e pelo outro. Rossana Maria

10. Poder:
Teve até resposta bem freudiana da amiga psicóloga e youtuber Flávia Melissa: “As mulheres querem se sentir completas e poderosas, pra negar a castração e o buraco deixado pela quebra do narcisismo”. (segundo Freud elas querem o “falo” do homem de volta, elas querem o poder!)

Poderia ir além, afinal foram muitas as respostas, mas esse artigo ficaria longo demais! Vamos parar por aqui e “carpe diem”!
Vamos fazer mais por nós mesmas nesse dia de muitas homenagens. A data comemorativa é apenas um lembrete de que temos que nos valorizar e buscar plenitude e felicidade acima de tudo.

E mesmo que você seja do sexo oposto, desperte em você a alma feminina cheia de amor, carinho, cuidado, garra, força de vontade, inteligência, sensualidade e muito sentimento de solidariedade pois o mundo precisa disso para superar seus enormes desafios.

(Para ver na íntegra as resposta acesse a minha timeline no facebook (carolinecaracas) e no instagram @carolinecaracascoach.
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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Todos somos América!

A cerveja mexicana Corona, uma das cinco mais vendidas do mundo, divulgou nos últimos dias um vídeo que viralizou nas redes sociais. Em resposta à afirmação de Trump de fazer a América grande de novo – como se o nome do continente fosse propriedade dos Estados Unidos - a agência da empresa mexicana destacou a mensagem de que todos somos americanos, valorizou a diversidade, a cultura e lembrou que sempre fomos grandes.

É o chamado anúncio de oportunidade – e com alvo certo.

Diante de declarações truculentas, de promessas de construção de novos muros, de ode ao preconceito, uma resposta talentosa, precisa, esbanjando inteligência.

Confiram:


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Não entre na onda da fábrica de ódio das redes sociais



Você também sente que, de uns tempos para cá, há muito ódio no ar? Ele se manifesta, por exemplo, em um trânsito cada vez mais agressivo e egoísta, no debate político hiperpolarizado, nas brigas irracionais de torcidas, em religiões que pregam a intolerância e nas relações de trabalho, entre colegas, com a chefia e até com clientes. Mas o que tem me chamado muito a atenção é o papel das redes sociais nesse caldeirão de emoções à flor da pele.

Vejo o acirramento do Fla-Flu ideológico em tudo: “se você não está comigo, está contra mim!” Mas o mundo não funciona dessa forma dicotômica, preto e branco: existem incontáveis tons de cinza entre os extremos da vida. Esse comportamento egocêntrico aparece com mais força quando estamos cercados de pessoas que compartilham do que acreditamos em um tema específico. E é aí que entram as redes sociais.

Para que esses negócios prosperem, eles precisam se tornar relevantes em nossas vidas (como, aliás, qualquer outro). A fórmula para se conseguir isso é o fundamento essencial do Facebook: jogar na nossa cara os posts das pessoas mais importantes para cada um de nós, como familiares, amigos mais próximos e aqueles que têm os mesmos gostos que os nossos.

Em tese, a teoria é boa, especialmente se considerarmos que, sem isso, teríamos que passar por centenas de posts diariamente, só para ver o que nossos amigos publicaram, o que é inviável. Portanto, se vemos em nosso feed de notícias as coisas mais importantes que as pessoas de quem mais gostamos disseram, usaremos a ferramenta cada vez mais para termos a sensação de que não perdemos nada importante.

E é aí que mora o perigo!

“Diga-me com quem anda...”

Para você ver essas postagens selecionadas, obrigatoriamente você precisa deixar de lado um montão de outras. O Facebook analisa dezenas de variáveis do usuário, dos seus contatos, das publicações que cada um deles faz e todo tipo de interação online dos indivíduos para montar um perfil de cada um, que pode mudar a qualquer momento. Com base nessas informações, seleciona o que será exibido e o que será ignorado para cada usuário. Assim funcionam os chamados algoritmos de relevância.

Isso é ótimo para não deixar de ver as fotos que sua mãe publica. Entretanto, quanto mais se usa o sistema, menos se vê conteúdo de pessoas que pensam diferentemente de você. Em resumo: o mundo se transforma em um lugar de pensamentos únicos, ingrediente essencial para qualquer tipo de intolerância.

O ciberativista Eli Pariser cunhou o termo “bolha de filtro” (ou “filtro bolha”) para explicar esse fenômeno. Pela sua teoria, os algoritmos de relevância acabam impedindo que os usuários vejam a Internet sem discriminação, isolando-os intelectual e culturalmente, o que, em última instância, cria cidadãos piores com o tempo.

Apesar de achar suas conclusões um pouco extremistas (pois também existem usos positivos dessa tecnologia), vejo méritos na sua teoria. Uma pessoa não pode ser exposta apenas àquilo que gosta, sendo “poupada” do que a desagrada, do diferente, do inesperado, do “chato, porém necessário”. Pois justamente com essa pluralidade de ideias o indivíduo cresce intelectualmente e como cidadão.

Não é de se estranhar que qualquer regime totalitário tenta impor um pensamento único.


“Narciso acha feio o que não é espelho”

Os algoritmos de relevância estão aí, fazendo o seu trabalho, mostrando para cada um aquilo que se parece com a própria pessoa.

Peguemos o debate político como exemplo. De uns três anos para cá, os discursos nas redes sociais endureceram: amigos de anos se insultam publicamente, relacionamentos são desfeitos, grupos se formam em torno de suas ideologias para combater adversários. Como se dão conta que há muita gente pensando igual, o caldeirão ideológico ferve e acaba virando ódio. Esquecem que é perfeitamente possível conviver com as diferenças, sem a necessidade de eliminá-las. Na verdade, tal convívio é saudável e necessário. Essa é a essência da democracia!

Chegamos a um ponto tão delicado que as agressões deixaram as redes sociais e ganharam as ruas, as escolas, os ambientes de trabalho. Constrangimentos, insultos e até agressões físicas são cada vez mais comuns. E a maior das ironias é que as pessoas estão se matando por indivíduos que, apesar de discursos inflamados, na verdade assistem ao circo pegar fogo com maquiavélica indiferença.

As pessoas chegaram ao cúmulo de ser manipuladas por elas mesmas, por suas crenças! Por isso, é hora de parar e pensar sobre o que acontece a nossa volta, saindo do turbilhão que exige que tomemos decisões na velocidade das redes sociais, sem refletir, caminhando cegamente com o rebanho.

A vida é muito mais que isso, e o que a torna mais bonita é justamente as diferenças que estão em toda parte. As redes sociais são ferramentas incríveis e ninguém deve deixar de usá-las. Apenas precisamos fazer isso com mais consciência. E mais amor.


sábado, 31 de dezembro de 2016

Um duro aprendizado...

Da série Vídeos para começar bem o dia: como subir uma escada? Foi o desafio enfrentado pelos 12 patinhos, enquanto a mãe, na parte superior, apenas observava. É o duro aprendizado.

Confiram:


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Das leituras...



“(…) O Brasil perdeu o rumo. Em nome do Combate à Corrupção, estamos trocando um presidente sobre o qual não há qualquer processo, por um vice-presidente envolvido sob diversas maneiras na Operação Lava Jato. Em nome do Direito, estamos trocando um presidente que fez “pedaladas”, por um vice-presidente que também as fez (…) Aécio Neves, Eduardo Cunha e Michel Temer, PSDB e PMDB, a direita e a classe média tradicional venceram. Paralisaram o Brasil, desestabilizaram a democracia, tornaram o país sujeito a crises políticas sempre que a popularidade do presidente da República cair, trocaram o acordo pela luta de classes, mas satisfizeram seu desejo de poder.

Que desastre, que loucura, que irresponsabilidade!”

(Bresser Pereira, economista, fundador do PSDB, ministro de FHC, em texto divulgado em sua rede social no início da semana)